João e Maria

 

  Era uma vez, na época em que pessoas e animais se misturavam, dois irmãos, chamados João e Maria. Os dois viviam com o pai, Charles, e a madrasta, Quimera, em uma cabana na zona leste da floresta de Florificus. A nova mãe odiava os enteados, pois tinha que recolher suas roupas sujas, escovar seus dentes e botá-los para dormir. Além disso, tinha que trabalhar como promotora de eventos na casa de shows de Heitor, um dos três porquinhos.  Sem tempo, não conseguia sair com as amigas para fazer compras, pois sempre tinha que cumprir o papel de mãe e profissional. Chateada, procurou conselhos com sua tia Formenta, uma velha bruxa.

−O que devo fazer, titia? – perguntou Quimera, se sentindo estressada com sua rotina diária.

−Olha, querida, fale que você vai levá-los para um passeio pela floresta. Daí é só abandoná-los com um pedaço de pão. Quem sabe uma macaca não vem cuidar deles, igual o Tarzen?

−Adorei! –disse. Contente com a opinião, voltou para sua casa e mandou João e Maria se arrumarem  para um passeio. O pai das crianças era lenhador, mas estava servindo no exército do rei Arthur. Nem desconfiava dos planos da esposa. Rapidamente os meninos ficaram prontos. A mulher, então, levou-os para o meio da floresta e deu-lhes um pedaço de pão duro. Disse que iria catar alguns tubérculos para fazer o jantar, que logo estaria de volta. Os inocentes meninos acreditaram na madrasta e se sentaram em uma árvore para espera-la. Passaram-se algumas horas.

−João, você acha que ela nos abandonou? – disse Maria, com uma lágrima escorrendo.

−Não, ela deve ter tido um problema de serviço. Devem ter ligado para ela do trabalho. As novas clientes dela são as bruxas do Conselho Regional. Elas são umas chatas. Reclamam das cores do ambiente até a roupa dos garçons e, ainda por cima, são mal-educadas. Você acredita que eu ouvi uma delas chamar nossa madrasta de “sujeitinha sem classe”. Não tiro a razão de ela estar estressada. Vamos procurá-la!

João e Maria começaram a andar pela mata, procurando a madrasta. Após algum tempo, encontraram uma cabana feita de doces. Em volta, havia placas avisando que era a casa da Coelha da Páscoa.

−Será que estou sonhando, irmão? É uma casa de doces?– indagou Maria.

−Não. É doideira da sua cabeça! Brincadeirinha. É sim! Veja a placa de entrada: é o lar da Coelha da Páscoa!

−Mas é o CO-E-LHO da Páscoa, não a CO-E-LHA.

−Talvez seja a mulher dele.

−Faz sentido! Aposto que é daqui que saem os ovos para venda nas mercearias. Vamos bater na porta, talvez ela nos dê dez por cento de desconto por comprarmos direto da fábrica.

 

Foto:www.edesenhos.com/joao-e-maria-historia-e-atividades.html

 

As crianças correram para perto da casa, mas, quando estavam prontas para bater na porta, decidiram degustar as paredes, as janelas, as plantas em volta. Que mal tinha? Era tudo feito de chocolate, rapadura, maria-mole, doce de leite e tudo tinha em abundância. Do jeito que se alimentavam iriam ficar diabéticos. A porta abriu com tudo e de dentro dela saiu uma bruxa. Sim, caro leitor, da porta, não da casa.

-Quem é que está comendo minha casa? – A bruxa olhou para os lados, procurando os delinquentes, até que avistou João e Maria. – Seus vândalos! Sabem quanto tempo demorei para construir esta casa? Material de construção açucarado custa os olhos da cara.

−Desculpe-nos! Não queríamos incomodar. Estávamos mortos de fome. – disse João

−Aí decidiram comer minha casinha. Sou uma doceira, vivo de vender doces para fora. Agora vocês têm de pagar por tudo que comeram.

−Não temos dinheiro! Perdoe-nos! – respondeu Maria.

−Quem mandou? Eu que vou morrer de fome se deixar vocês saírem sem pagar. Cada um com seus problemas. Vocês farão o seguinte: como não têm grana, trabalharão para mim até quitarem suas dívidas. Quer dizer... A menina trabalhará. Tenho outros planos para você, rapazinho.

−Quem você pensa que é para nos forçar a trabalhar? Somos menores de idade, não podemos!- disse João.

−Liguem para seu advogado! HAHAHAHA!

Puxando as crianças pelos colarinhos, a velha levou-as para dentro de sua morada. Primeiro, trancafiou João em uma jaula de jiló. Este material é intransponível para meninos doceiros e famintos. À Maria, obrigou-a  a trabalhar como doméstica. A garota tinha que lavar, passar, cozinhar e o pior de tudo:  era compelida a alimentar o irmão com muitas guloseimas e animais assados.

 

Foto: www.downloadswallpapers.com/papel-de-parede/pirulito-e-doces-coloridos-36753.htm

 

Mas por que, caro leitor, isso era tão maligno? Fácil! A bruxa decidira fazer um guisado de garoto. Não, caro espectador, não é o chocolate... Bem, todo dia, a nefasta senhora mandava João esticar seu dedo mínimo, para poder checar se este engordava. Com essa medida, conferia se o preso estava gordinho o suficiente para cozinhá-lo. No terceiro dia de estadia, Maria se aproximou para dar o almoço para João e expôs, em tom baixo, uma ideia.

−Pegue um desses ossos jogados na sua cela. Quando a bruxa quiser ver seu dedo, dê o ossinho. Pelo menos vai te dar mais tempo de vida.

−Você é muito animadora! Ela vai perceber que é uma farsa!

−Irmão, olha a cara dela. Ela está tão preocupada em fazer suas encomendas que nem vai olhar para sua cara.

−Duvido. Acho que vou contar piadas. Talvez ela ache graça e nos liberte.

−O que tanto cochicham, pestes? – Ralhou a bruxa.

 A menina se afastou da gaiola rapidamente.

 – Nada, madame. Só estava perguntando para ele o porquê da sua casa ter uma placa dizendo pertencer à coelhinha pascal...

−Ah, bom. O motivo é que meu nome é Coelara Pasquila. Minhas amigas íntimas me apelidaram de Coelha da Páscoa (nem eu, o narrador, esperava por essa!). Quase ia me esquecendo: dê-me o dedo, criança! − O menino esticou o ossinho.

−Você acha que eu sou trouxa? Pensou que eu não iria ver que isso não é o seu dedo? É agora que vou ganhar prestígio no Encontro Regional de Culinária Exótica das Bruxas. Maria, acenda o fogo! Quero em temperatura máxima! É hoje que sai meu guisado! HAHAHAHAHA! – A garota, chorando, foi realizar a ordem. Maria parou por um instante e olhou para a mulher malévola:

 −Mas como a senhora vai entrar nesse encontro? Os preços são abusivos!

−Já comprei meu ingresso pelo Tickets for Witches há um ano.

−Olha, minha mãe organiza esse evento. Se nos libertar, prometo que arranjo um ingresso vip. Duvido que o seu bilhete seja assim. Só as Super -Ultra -Mestras - Bruxas têm dinheiro suficiente para esse tipo de entrada.

−Menina, você está tirando uma com a minha cara. É o meu sonho! Vou ser invejada! HAHAHAHAHA! Isso agrega muito! (Essa bruxa é meio adolescente, não acham? ) Fechado! Mas vocês têm até o por do sol para me trazê-lo.

−Estávamos perdidos no meio da floresta. Como você acha que vamos chegar aqui até o fim da tarde? – disse João.

−Não seja por isso! Eu comprei em trinta parcelas, sem juros, a Kilometer Broom 4000: a vassoura do século! Minha versão vem com garupa: eu posso levá-los até sua casa. Sem mais contestações, as crianças subiram no utilitário da velha e voaram até sua morada na zona leste. 

Coelha estacionou bem em frente à porta. Quimera, a madrasta, saiu no mesmo instante:

− Estava tão preocupada! Que bom que voltaram!

−Mamãe, onde você estava?

−Desculpem-me, queridos! Meu estresse diário me cegou. Pensei em abandoná-los no meio da mata, mas daí, quando me afastei, mudei de ideia e resolvi  levá-los para casa. O único problema era que vocês tinham sumido! Quase morri de depressão! Vocês me perdoam?

−Claro! – disseram os dois, em uníssono.

– Podemos fazer um pedido? – adiantou-se, Maria. A madrasta consentia com a cabeça. – Queríamos que você desse um ingresso vip para a bruxa.

Foto: guidolang.blogspot.com.br/2013/12/o-singelo-ticket.html

 

  A mulher entrou na casa e logo reapareceu com o bilhete. Coelara pulava de alegria. Despedindo-se, a feiticeira foi embora em sua vassoura de última geração. A partir desse ponto, Quimera passou a respeitar João e Maria e a dar-lhes muito amor e carinho. Começou também a fazer ioga e a ir ao psicólogo para se acalmar. Continuou seu trabalho de promotora, até que, um dia, foi promovida a diretora criativa da empresa. Quanto à bruxa, ela criou o ovo de páscoa com molho bruxé (agridoce, feito de chocolate com antenas de lesma tunisiana), prato que lhe concedeu o primeiro lugar em seu evento culinário, pela criatividade, beleza e sofisticação. Essa receita lhe abriu diversas portas; dentre elas, a inauguração de sua própria indústria de doces. Não há ninguém que possa contestar esses acontecimentos. Todos viveram felizes para sempre. 

 

FIM

Autor: André Pereira Falcão